terça-feira, 5 de maio de 2009

A era do rádio

Não acredito que no início do século XX o italiano Marconi, sonhou com a dimensão que seu invento, o rádio, iria ter para a humanidade.
Primeiramente modesta, a importância do rádio foi crescendo até se tornar no mais importante meio de comunicação por muitas décadas.
Como entretenimento divertiu milhões de pessoas, como informativo veiculava as notícias ao tempo que os fatos aconteciam, para o mundo todo, através de suas ondas médias, curtas e moduladas, como propagandista tornou conhecido milhares de produtos, que sem ele, praticamente, não existiriam.
Para comprovar essa afirmação vamos nos ater a algumas ilustrações:
Na década de 30 um novato radialista, que depois se tornou famoso mundialmente, como ator, Orson Welles, sem nenhum aviso preliminar, interrompeu a programação da emissora, para a qual trabalhava e passou a narrar com grande dramaticidade e alarde, suposta invasão de seres alieníginas á terra. Foi tão veemente e verossímel, que o povo saiu ás ruas apavorado, temendo a destruição em massa, por marcianos.
Após muita confusão revelou-se que se tratava apenas de um programa radiofônico, com a transmissão da peça " A guerra dos mundos", de H.G.Wells. Nesse episódio ficou cabalmente demonstrada a força do rádio e sua importância como veículo de comunicação.
Nas guerras, o rádio também teve importância decisiva, não só pela comunicação entre as tropas, que se contatava por códigos, como pela propaganda que se fazia para minar a moral dos países beligerantes, com relatos falsos ou não, dos exércitos inimigos.
Na década de 40 em plena segunda guerra mundial, o poder do rádio era tão grande que seus possuidores eram obrigados a registrá-los e pagar uma taxa nos correios. Em terra de muitos imigrantes italianos e alemães controlava-se o que se ouvia em ondas curtas...
Produtos como Melhoral, com seus slogans " é melhor e não faz mal", Veramon, Pílulas de Vida do Dr. Ross, Emulsão de Scoth, Óleo de Fígado de Bacalhau, etc, tinham suas vendas alicerçadas, via rádio. Móveis, fogões,utensílios domésticos, etc, eram ancoradas pelas ondas do eter, como se dizia.
Ídolos eram venerados e seus programas ouvidos por multidões e alguns de seus expoentes,no Brasil, foram: Carmen Miranda, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Orlando Silva,Isaurinha Garcia, etc, etc.
Nos noticiários se destacavam: Cesar Ladeira, que foi o locutor oficial da revolução constitucionalista de São Paulo e Heron Domingues, com seu imortal, " Reporter Esso".
Nos programas de auditório, principalmente, os da Rádio Nacional, da então capital, Rio de Janeiro, pontuava, Cesar de Alencar, Manoel Barcelos,Paulo Gracindo, Júlio Lousada e muitos outros.
O inocente riso daqueles tempos era garantido pela PRK30 de Maulo Borges e Castro Gonzaga, por Pimpinela, criação de Silvino Neto, pai do comediante Paulo Silvino, o Severino de Zorra Total,Dr. Infezulino ( Osvaldo Elias), Nhô Totico,pelo iniciante Chico Anisio, pela Turma da Maloca de Osvaldo Moles, onde despontava, o jovem Adoniran Barbosa.
Muitos cantores despontaram para o estrelato através dos programas de calouros, como os de Ari Barroso, Renato Murce e a famosa Hora do Pato.
Populações inteiras se comoviam com as rádio-novelas, que esvaziavam as ruas, em seus horários. Celso Guimarães, Roberto e Floriano Faissal, Ismênia de Oliveira e muitos outros enterneciam o povo com os escritos de Janet Clair, Ghiaroni, Sarita Campos,o cubano Felix Caignet, autor da famosa " O Direito de Nascer",etc.
A narração dos jogos de futebol, por verdadeiros expoentes, como Pedro Luiz, Edson Leite, Jorge Cury, Antonio Cordeiro, Luiz Mendes, Geraldo José de Almeida, Wilson Brasil, Walter Abrahão, entre muitos outros, traziam a emoção do esporte para milhões de ouvintes, através de seu imaginário. Após as partidas, Esteban Borreaux Sangirandi e sua equipe nos encantava com seus impagáveis personagens, como Didu Morumbi, o "snob" torcedor do tricolor paulista.
Com o tempo, outros meios de comunicação, como o cinema falado, foram surgindo e á partir de 1950, a televisão apareceu, como seu maior inimigo. Parecia que o rádio iria desaparecer, tal o impacto trazido pela novidade, qua aliava som e imagem e assim, muitos dos expoentes do rádio migraram para esse novo Eldorado.
O prestígio do rádio foi abalado, mas não desapareceu. A reação veio com as rádios FM que traziam ótimo som e boa música a qualquer tempo, em qualquer lugar.Porém, foi com uma invenção trazida do Japão, que o rádio deu uma grande guinada, os rádios portáteis transistorizados. De início caros, como os objetos de desejo, Spica e Hitachi, foram aos poucos se popularizando, baixando os preços e invadindo, todos os locais. Nas ruas, parques, filas, o rádinho , colado ao ouvido, tinha seu lugar e audiências assegurados.
Neste ato, presto um pleito de homenagem e gratidão, para alguns radialistas que marcaram minha trajetória e de muitos outros ouvintes.
Em meados da década de 60, ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e logo no início do curso assistí a uma palestra no auditório de seu campus. Estavam presentes alunos de todos as classes, já que o convidado era figura importante nos meios jurídicos.
Após a explanação, foi franqueada a participação dos presentes para perguntas ao palestrante e um dos alunos, prestes a se formar, formulou sua pergunta e ao mesmo tempo pediu á plateia, que o aplaudisse, da mesma forma que fazia com o convidado.. A pergunta foi inteligente, porém considerei a atitude do colega, algo arrogante.
Mais tarde fiquei sabendo que se tratava de Hélio Ribeiro, na época, já um idolo do rádio paulista.
De fato, Hélio, com seu programa, "O Poder da Mensagem", revolucinou a programação radiofônica com seus comentários inteligentes e pertinentes. Sua tradução simultânea dos grandes hits da música internacional, foi inovador e comoveu muita gente, que não entendia a mensagem da música, sem conhecer o idioma original.
Sucesso por muito tempo, mais tarde Hélio se radicou nos Estados Unidos, voltou ao Brasil, mas infelizmente, faleceu precocemente.
Outro expoente foi Moraes Sarmento, que com seu jeito coloquial trouxe uma grande contribuição para a música tradicional brasileira. Grandes cantores, como Araci de Almeida, Ciro Monteiro, Vicente Celestino, entre muitos outros, eram lembrados por ele e seu gesto batendo o braço e dizendo " aquele abraço", jamais serão esquecidos.
Vicente Leporace, rabugento, com seu tipo italianado, falou muitas verdades em seu tradicional programa " O Trabuto" e nos deixou muitas saudades.
NO rádio esportivo o locutor poeta Fiori Gigliotti marcou época com suas tiradas humanas e sentimentais e homenageou muitos jogadores esquecidos, com seu enternecedor, " Cantinho da Saudade".Fiori foi o mestre de cerimônia de minha formatura e começou o ato solene, com seu famosa frase: " Abrem-se as cortinas e começa a formatura"...( no original " o espetáculo").
A lista de grandes radialistas é enorme, mas só vou nomear apenas alguns, já desaparecidos, como uma forma de homenagem: Enzo de Almeida Passos ( o popular Gatão), Clodoaldo José,Gioia Junior,Ronald Golias ( que nos encantava com seu humor espontâneo, no programa da rádio Nacional, do grande Manoel da Nóbrega), Walter Silva, do Picape do Picapau, que revolucionou a moderna música brasileira,etc,etc.
Hoje, infelizmente, o rádio passa por uma fase difícil, a caminho do ostracismo, pela invasão de pastores das mais variadas crenças que nos impingem suas presenças, e monopolizam as audiências, principalmente na outrora importante, FM.
Os aparelhos que gravam músicas através a Internet, também, reduzem os rádios transmissores a uma posição secundária. Rádios de carros foram substituídos por toca-fitas.
Até decisões esdruxúlas, servem para diminuir a importância do rádio. Salvo algumas emissoras especializadas em notícias, que mantêm boa audiência, como a CBN, BANDNEWS e outras,ou ás transmissões esportivas, um único programa mantinha minha fidelidade diária ao rádio. POr 10 anos o grande comunicador Salomão Schwaztman, mantinha obrigatório programa na Rádio Cultura FM, com boa música, tiradas inteligentes, comentários cáusticos e verdadeiros, tendo inclusive patrocinadores de alto nível, que garantiam boa parte do faturamento da emissora.
Mudando a direção da rádio, uma das poucas audíveis hoje em dia, por tocar música de classe,infelizmente, o grande comunicador for dispensado, devido a nova linha política da emissora.
Para nossa satisfação, a Rádio Scala FM, após algum tempo, teve a inteligência de contratar o grande Salomão, competente desde os tempos da finada e inesquecível, Rede Manchete.
Eís, porém, que para nosso desgosto a Rádio Scala foi vendida para a Rede Bandeirantes, que não teve a sabedoria de manter a atração mais inteligente do rádio, no ar e colocou em seu lugar um programa com aqueles locutores engraçadinhos, que tocam músicas de gosto duvidoso, como ocorre com frequencia em nossas FMs.
Porém, nem tudo está perdido, pois Salomão está sendo aproveitado na canal Bandnews com seus comentários oportunos e espirituosos.A falta de seu programa de rádio nas manhãs paulistanas, porém, é inegável.
Para a reabilitação do prestígio do rádio sugiro.
-Retorno de alguns programas como os de Moraes Sarmento,Gióia Junior ( com seu bordão, " e chega de prosa",Leporace,Golias, mesmo os originais gravados.
-Volta de rádio-novelas com temas que reproduzam grandes romances, como Romeu e Julieta, O Conde de Monte Cristo,etc, etc. Hoje muitas donas de casa, mantem as TVs ligadas, com a programação mediocre das manhãs e tardes e ficam fazendo seus afazeres e apenas ouvem o som das TVs, como se fosse rádio.
- Programas com música clássica, como o do querido Artur da Távola, outra perda insuperável, " Quem tem medo da música clássica", onde ele didáticamente desinfernizava o preconceito contra a boa música.
- O retorno do obrigatório programa matinal do Salomão Schwatzman
Como ideia para homenagear os grandes do rádio, porque não se faz uma Casa do Radio, onde todas as emissoras exporiam seus acervos artisticos que estão se perdendo, exibindo fotos, filmes, gravações das grandes vozes, etc. Material não falta, da antiga rede Tupi, Nacional, Excelsior, a velha Record, Cruzeiro do Sul, Piratininga, etc.
Por que uma Rádio como a Bandeirantes, onde Fiori Gigliotti, trabalhou por tantos anos, não reproduz um programa com as gravações do " Cantinho da Saudade?", ou mesmo não se publica um livro com essas emocionantes crônicas ? ou mesmo um CD ?
Um filme recente é a imagem do que era o rádio e sua posterior decadência. A obra do consagrado diretor Stanley Kubrik, " A Última Noite", mostra o último programa de auditório de uma rádio cujo espaço, um velho teatro está prestes a ser demolido. Velhos artistas, com muito profissionalismo, demonstram seu talento pela derradeira vez, com o coração sufocado pela emoção e nostalgia. Para os amantes do rádio um filme para ver e rever.
Finalizo com uma homenagem para aquele que no momento é o espirito do rádio: Milton Neves, que em suas atuações nos encanta com seu dinamismo e amor com que se dedica a esse meio de comunicação.

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