quinta-feira, 7 de maio de 2009

gastronomia da saudade

Algumas refeições que fazemos ao longo de nossa vida permanecem em nosso sub-consciente e de vez em quando seus sabores nos afloram á mente, junto com um sentimento de nostalgia, já que a ligamos a fatos inesquecíveis ou pessoas queridas.
De minha meninice, lembro de algumas, que elaboradas com amor e esmêro, deixam meu âmago transbordado de emoção.
Vou citar algumas, que minha mãe, de família italiana, fazia já na década de 40, que se confeccionadas hoje, ainda seriam muito apreciadas.
No fogão á lenha era feita um pizza de massa normal, assada no forno e a cobertura era feita com queijo fresco, tomate em rodelas e sardinha, polvilhada com temperos como orégano e similares.
Frango temperado de carne, , empanado, cozido e recoberto com farinha de trigo e frito;croquetes de carne, camarão, linguiça, etc., carne recheada e amarrada, tortas,polentas em panela de ferro, sopas de ervilha, pães caseiros assados sob folhas de bananeira, em fornos de lenha, bolinhos de linguiça, salsicha,coxinhas, realmente de frango, bolachões de massa para acompanhar as sopas, macarronadas com molho de linguiça,manteiga, feijão; aos sábados, virado (tutu de feijão com farinha de milho) acompanhado de carne moída com batata, etc. As receitas eram simples, sem ingredientes burilados, mas os sabores inesquecíveis.
No café da manhã tinhamos um chamado " pão com ovo e leite ", precursor das charmosas rabanadas, tão apreciadas no Natal, hoje em dia; bolinhos de fubá e o inesquecível pão caseiro com manteiga.
Alguns doces de casa, como sidra, mamão verde,gelatinas feitas nas noites frias, sobre folhas de zinco, pés de moleque,passocas e principalmente o delicioso "tortei", como o chamávamos,cujos ingredientes principais de seu recheio eram: batata doce,feijão,um pouco de pinga e limão, mais açucar. Numa massa parecida com a do pastel, fritava-se e se deleitava com seu sabor.
Balas caseiras de café, coco,os famosos puxa-puxa e outras completavam os personagens de nossa gulodisse.
Para as visitas, que na época eram costumeiras e obrigatórias eram servidos licores preparados em casa, de jaboticaba, laranja, mixirica e outros muito apreciados.
Sucos eram feitos de limão,uvaia ( uma fruta azedinha muito abundante na região).
Frutos eram jaboticaba ( colhidas em pomares de sítios vizinhos, em árvores abarrotadas, cujos caules e galhos ficavam negros de tanta fartura),gabirobas, frutinha amarela de sabor característico, encontrada em propriedades em volta da cidade e as tradicionais pera d'água, laranja, manga,uva, pêssego,etc.Maçãs eram raras e importadas da Argentina, só se comia em caso de doença.
Ao fim das refeições, café plantado, colhido, torrado e moído no sítio de meu avô ou nono, como o chamávamos.
Tirando a chamada comida familiar, até como um pleito de gratidão, vou relembrar algumas refeições efetuadas ao longo do tempo e que passadas dácadas ainda guardo em minha memória mais seletiva.
Tinha no máximo uns oito anos e fui com meu Tio Tonico, irmão de minha mãe e o motorista Plinio, á vizinha cidade de Avaré, fazer entrega de macarrão, para os fregueses do pastifício, onde meu pai trabalhava. No hora do almoço, fomos a um bar conhecido, onde meu tio pediu para o proprietário, fritar umas porções "daquela linguiça especial". Comemos com pão e para mim foi um "manjar dos deuses", pois o sabor da linguiça era insuperável e até hoje minha boca se enche de água ao lembrar daquela simples refeição.
Minha Tia Mariquinha, uma senhora com muitos quilos, a mais, muito amorosa e beijoqueira; seus beijos, dos quais fugiamos, inundavam nossa face; morava na vizinha Agudos e de vez em quando, a visitávamos.Nessas ocasiões ela se esmerava em nos agradar. Lembro até com emoção, de uma polenta com carne de porco, que ela nos servia, cujo sabor fazia nos remeter ao Paraiso...
Mais ou menos, aos 15 anos quando ia á Igreja, assistir á missa dominical, ao ficar atrás de algum pilar, notava que minha visão estava com problemas, já que o "olho bom" em condições normais, supria as necessidades de visão.
Como em São Manuel, na época não tinha oftalmologista, fui até a vizinha cidade de Jau, onde foi constatado miopia, em meu olho direito e aviada a respectiva receita.
Para a compra dos óculos me desloquei a outra cidade limitrofe, Botucatu, onde fui apresentado a outra maravilha, para mim, na época.
Com fome, entrei num bar e fui apresentado a um aparelho até então desconhecido, um liquidificador.
Pedi uma vitamina de mamão, banana e leite e seu sabor é uma das boas lembranças de minha adolescência.
Mudando para São Paulo em 1956 e poucos meses conseguí meu primeiro emprego e de vez em quando fazia minha refeições na cidade.
Trabalhava na Praça Antonio Prado, para um banco estrangeiro, num local onde hoje funciona a bolsa de mercado futuro.
Do outro lado da praça, se encontra o ainda hoje imponente, Edifício Martinelli e em seu sub-solo, á época funcionava um restaurante. Alí conheci um prato insequecível "lasanha" verde ou não. Vinha fumegante e coberta por queijo tostadinho de sabor insuperável.
Mais tarde, após alguns anos, ia com meu amigo e colega, Stevan, precocemente falecido, até ao Largo do Arouche, comer no Restaurante " O Gato que Rí" . Sua lazanha também era maravilhosa, mas o que guardo em minha memória era seu famoso e enorme " filé á parmegiana". Maravilhoso.
Quando faziamos hora extra, iamos lanchar um bar chamado Três Porquinhos, onde o cachorro quente era digno dos deuses.
Nessa época, costumava frequentar amiúde a colônia dos funcionários do banco, onde ia com meus amigos. Numa dessas idas, o admistrador da colônia, o querido Sr. Àlvaro, português, gente fina, nos informou que estavam esperando muitos visitantes, que cancelaram sua ida e sua mulher tinha preparado grande quantidade de macarronada, álho e óleo; para a gente comer, á vontade. Comemos e repetimos várias vezes, estava deliciosa e me ficou gravada na memória.
Anos mais tarde, num outro emprego, tinhamos um colega, o paraense Hilário, a quem chamavámos de Carioca, tal seu amor pela cidade maravilhosa.Convidou a mim e o amigo comum Milton, para almoçarmos em sua casa quando sua mãe fizesse sua famosa carne assada.Um belo dia fomos e nunca nos arrependemos; a carne assada era divina, derretia na boca e tinha um gosto de quero mais. Está retida em minha lembrança.
Comí muitas pizzas em São Paulo, ínclusive nas pizzerias mais afamadas, porém, para mim, imbatível era a pizza que eu adquiria numa pequena fornecedora situada no Largo Prell, junto á Estrada de Itapecerica, nas imediações do clube do Banco do Brasil, a AABB.Em pouco tempo, mudou de dono e para meu desapontamento, de qualidade.
Outra refeição marcante ocorreu em minha primeira viagem, á Salvador, á serviço. O Polo Petroquímico de Camaçari estava sendo montado e fomos eu e dois gerentes da Du Pont, Saldanha e Colinvaux, "reconhecer o terreno".
Um dia, jantamos num restaurante chamado "Chez Bernard", uma lagosta imbatível e por isso inesquecível.
Mais tarde, já radicado em Salvador e trabalhando na fábrica de tolueno de isocianatos, fui convidado por um senhor, funcionário do escritório da cidade, a almoçar num restaurante que fazia uma carne assada " de se comer rezando", como ele dizia. Até o restaurante foi uma boa pernada, mas a recompensa pelo sabor da carne assada na ferrugem, foi tão compensador, que realmente, pensei em agradecer com uma oração.
Algumas refeições lembradas, merecem menção honrosa, como a primeira feijoada com ingredientes separados, consumida no Dom Fabrício, da Alameda Santos. O fílé com muzzarela de búfula, degustado no Rubaíyá; a bacalhoada, paga por um cliente, no Abril em Portugal e aquela massa com camarões gigantes, "devorada" num jantar de confraternização, no Máximo da Alameda Santos.
Uma das lembranças mais agradáveis era o frango trançado e as massas ravioli e capeletti que eu adquiria numa rotisserie, perto do Jardim da Aclimação. Esses pratos eram feitos com amor, carinho e extrema competência por um casal de idosos, pais do dono daquele espaço. Infelizmente, durou pouco tempo, os "velhinhos" cansados, se aposentaram e daqueles pratos, só restou a saudade.
À serviço, viajei várias vezes para Vitória onde levado por um nativo, tive oportunidade de conhecer um dos pratos típicos mais saborosos da culinária brasileira.Trata-se da caldeirada capixaba.Uma peixada divina e impossível de não se repetir várias vezes. Tenho certeza que se um empresário de São Paulo montasse um restaurante tendo como carro chefe, esse prato teria clientela cativa e fiel.
Executivo, tive a oportunidade de me hospedar em muitos hotéis de alto nível e frequentrar restaurantes de extrema categoria, no Brasil e vários países de todo o mundo. Comi muito bem inúmeras vezes e me lembro com saudades dos magníficos pratos feitos com peixes e frutos do mar consumidos no Chile, porém, as refeições que ficaram fazendo parte de minha história, foram as acima citadas, muitas caseiras e outras nem um pouco sofisticadas, como a inesquecível linguiça consunida há 60 anos na cidade de Avaré.
Minha mais recente refeição inesquecível é a brachola acompanhada de massa que pode ser pene, gnochi,spaguetti, tagliarini,com uma porção generosa de parmegiani, que saboreiro na cantina Jardim de Napoli, com a vantagem que refaço essa sensação de agrado ao paladar, com alguma frequencia.
Como sugestão a empreendedores:
Porque não se fazer restaurantes com comidas caseiras, receitas de família esquecidas, doces com ingredientes simples e saborosos, sucos com frutas diferentes, e encerradas com licor artesanal, para que pessoas se sintam num ambiente especial, longe da mesmice de sempre?

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